sábado, 9 de fevereiro de 2008

ALMAS IGUAIS.


© Adelmario Sampaio - 2004

Deus não separa duas almas iguais...

Nesse momento dramático eu me lembro dele com a ternura do primeiro instante quando me encontrou no caminho, e disse sem mais nem menos:

- Quem é você menina?

- Sou uma menina só – eu respondi e ele partiu, mas deixou comigo a sua voz e a sua saudade ficou fazendo morada no viver dos meus dias...

Outro dia quando ia passando não falamos um com o outro, mas seus olhos encontraram os meus e no silêncio do seu coração perguntou novamente quem eu era, e sem saber porque (também no silêncio do meu), eu disse que era uma menina que vivia só, mas que na minha solidão andava acompanhada de quem era o possuidor dos meus pensamentos...

Então ele me olhou mais uma vez no seu silêncio, e percebi uma chama em seus olhos e vi muito bem o exato momento em que se abriram seus lábios tímidos, e deles ouvi quando as primeiras palavras de fogo que ainda queimam meu coração foram pronunciadas:

- Também sou assim como você... Também tenho alguém que povoa o mesmo espaço dos pés da minha alma, e também faz morada nesse lugar... E andamos juntos porque nossos pés seguem o mesmo destino que nossas almas têm no mesmo endereço...

Havia no silêncio de cada alma o segredo de quem é que o outro se referia...

Não dissemos mais nada... Nem ao menos nos despedimos e caminhamos cada qual para seu caminho... Mas quando o fizemos vimos que andávamos para o mesmo lado, e quando andamos um pouco mais percebemos que nossas almas iam para o mesmo lugar... Então eu perguntei no meu constrangimento aonde ele ia, e ele pronunciou a mesma pergunta no mesmo espaço de tempo. E no instante seguinte (também no mesmo espaço) olhamos um no olho do outro, e rimos o um riso igual, como se um lábio fosse o reflexo do outro no prenúncio do primeiro beijo... Depois calamos a mesma palavra, e calados as asas dos nossos pensamentos caminharam o mesmo caminho, até que vimos anos mais tarde que as nossas almas eram parecidas em tudo. E elas falaram a mesma língua e fizeram os mesmos gestos, e tomaram o mesmo espaço físico do tempo...

A minha dentro da dele e a dele dentro de mim como num gozo celeste...

Mas os anos passam... E a vida passa... E hoje eu o olho aqui deitado... Uma dor e uma alegria ainda povoam meu coração, e quando penso numa, a outra me consola porque nas almas ainda somos um, e os nossos caminhos não podem ser separados porque sabemos mais que ninguém que Deus não separa duas almas iguais...

Há um pouco de desespero à nossa volta... Nossos filhos choram. As noras e netos olham como sem entender o que se passa...

Ouço a sua voz aqui dentro perguntando: “Quem é você, menina?”.

Eu ergo a minha mão devagar pra que ninguém veja meu gesto, e calo a minha voz mais uma vez diante dele, e digo aqui dentro do peito:

“Não meu amado, não posso voltar a ser jamais a menina só que um dia você encontrou no caminho... Irei com você por onde quer que andarem os seus pés, porque a minha alma só caminha pelo teu caminho e meu coração só tem repouso onde estiver o teu.”

Então meu filho mais velho chegou e me abraçou e disse:

- Está na hora, mãe... Não quer tomar um calmante?...

- Não filho – eu respondi. – O que me acalma é lembrar que todos os  dias, passados e vindouros, o amor não morre...

Meu filho olhou meu rosto, e parecendo entender sorriu levemente. Vi no seu sorriso o espelho do que falo. E apesar de tudo, mais uma vez meu coração ficou em paz, porque ela só é encontrada no amor...

(Presente da Aurea Manchini)

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