quarta-feira, 25 de junho de 2008

"S" DE SAUDADE


" QUANDO CHEGAR A MINHA HORA E EU PASSAR PARA O LADO DE LÁ, NÃO CHORE POR MIM, TEREI IDO FELIZ."

Nos últimos anos da sua vida Ela sempre dizia isso à sua amiga. Era como se não restasse mais nenhum caminho a percorrer, era como se fosse uma estrada que realmente chegava ao fim.

Se conheceram quatro décadas antes de tudo isso, ela então com cinqüenta e dois anos e sua doce amiga, apenas uma menina, com doze primaveras que desabrochavam como rosas coloridas.

Eram vizinhas, Ela uma mulher exuberante, pintora, independente, sempre com muitos compromissos sociais, sempre viajando mundo a fora. Havia algo porém, que nunca pôde ser explicado. Apesar de ser uma mulher um tanto seca e muito reservada , quando se deparava com aquela menina, se desmanchava, parecia que a vida para Ela parava ali por alguns instantes.

E o tempo foi passando e aquela menina se tornou uma mulher e Aquela mulher uma velhinha, sozinha, envolta completamente na solidão. Não tinha parentes, nunca se casou, não teve filhos, mas viveu uma vida de glória, cercada de gente, aquele tipo de gente que assim como entra em nossas vidas, também sai, rapidamente. Gente que só convive bem com o glamour.

Os anos foram passando, a amizade, os encontros, as conversas agradáveis nunca cessaram entre Ela e sua amiga menina. O mesmo encanto que Ela teve pela garotinha de doze anos no primeiro dia em que a viu, ela ainda tinha pela mulher madura, que no decorrer da vida veio a se tornar sua única e grande amiga.

Nos seus últimos anos de vida, afastada de tudo e de todos, com poucos recursos para sobreviver, as coisas se tornaram muito difíceis para Ela, no entanto a sua grande companheira não a abandonou e tentou ajudá-la em tudo que esteve ao seu alcance, desde a companhia, ao prato de comida.

Um dia, já perto de morrer, Ela realizou um pequeno sonho, foi rever uma exposição de Monet que acontecia na cidade em que vivia, Rio de Janeiro. Este foi um momento mágico para a menina/mulher, vê-la finalmente em seu habitat natural, junto da arte que tanto lhe encantou por toda a vida.

Mas a fraqueza daquele coração artista era cada vez maior e a idade também. Aquele compasso que durante tantos anos guiou suas mãos para pintar quadros maravilhosos estava perdendo seu rítmo.

Da janela de sua casa, podia observar a casa da sua amiga menina/mulher, mas especificamente o quarto dela, que tinha uma luz amarelada e indireta. Dizia sempre a ela: Adoro ficar da minha janela observando a luz difusa do seu quarto.

E chegou o dia da sua partida... foi sem se despedir... sem medo... sem desespero... sem arrependimentos...no silêncio de uma tarde, na solidão de sua casa.

Nesse dia sua amiga menina/mulher não viu a luz de sua casa se acender às seis da tarde como de costume, não viu nenhum tipo de movimentação e foi até lá... e suas batidas na porta foram em vão.

Ela entendeu o que estava acontecendo, mas se recusou a acreditar. Amigos a ajudaram a enfrentar aquele momento que já era esperado, mas que doeu tanto, que amargou uma enorme solidão na alma, que explodiu num grito e ecoou através de um rio de lágrimas.

Nunca saberemos a falta que alguém vai fazer em nossas vidas, até que ela nos deixe orfãs de sua presença. Essa foi uma certeza que a menina/mulher teve nesse dia.

Voltando pra casa depois daquela noite terrível a menina/mulher teve uma surpresa... da janela de seu quarto viu aquela mesma luz difusa amarelada que havia em seu quarto, na casa de sua amiga que havia partido. No dia seguinte foi até lá para apagar a tal luz.... reflexo aquele que nunca havia visto por lá antes... não havia nenhuma luz que tivesse sido esquecida acesa... e ela já sabia disso... ela entendeu no exato momento que viu aquela luz, que aquilo era apenas um adeus e um recado...: ESTOU BEM, PARTI ILUMINADA.

Depois de ter dito em vida, inúmeras vezes à sua doce amiga - "Você é a filha que eu nunca tive" - ela provou em morte que isso era verdade com um testamento:

"Tudo que eu tenho, deixo pra ela após minha morte... porque foi ela... tudo que eu tive em vida"

Ela se chamava -------- Suzanne Betous

A menina mulher ------- Silvana Duboc

Ambas com suas origens na França

Ambas artistas dentro do coração

Ambas com a mesma inicial em seus nomes

S...de Saudade!

In Memorian
Suzanne Therese Betous
- 04/09/1914 - 23/02/199

**Silvana Duboc**

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