quarta-feira, 3 de setembro de 2008

COISAS DE POETA


Esquecido na gaveta de um velho armário de madeira, deixado em um canto do sótão, todo amarelado pelo longo tempo, sem manuseio e carcomido por traças e corroído por insetos, o esboço de um poema se perdeu no tempo.

Palavras escandidas se vão ao vento e caem em esquecimento, tanto de quem as pronunciou como também de seu interlocutor, mas as que ali estavam grafadas não, jamais morreriam.

São versos que falam de um amor puro e verdadeiro, feitos com o êxtase d'alma no clímax de uma saudade, a bem da verdade, por um apaixonado.

Coisas de dois jovens que enfrentando os conceitos sociais, preconceitos raciais e intolerâncias, as mais diversas, souberam com caracteres transpassar com galhardia todas as humilhações que lhes foram impostas sem, no entanto, se humilharem ou de maneira inversa deixarem a soberba tomar conta deles, só se sucumbindo ao amor mútuo que os unia e ao respeito a seus pais que, no entanto, não compreendiam a pureza de seus sentimentos e, em nome desse carinho filial é que se afastaram.

A quem a dor calou mais profunda não há parâmetros que possam dimensioná-la, tão imensurável quanto o lamento que aquelas poucas palavras em um pedacinho de papel simbolizavam, que na verdade era um pedaço do que sobrou do pobre coração de seu subscritor, que ali se definhava delegado ao abandono.

Pelos percalços do caminho da vida nada mais profundo há de tolher uma existência como a do amante exilado de seu amor. Nada pode confortá-lo de sua angústia, nenhum perfume o inebria, não há música que o enleva, o ar puro o sufoca, a vida não lhe é vida, é como um turbilhão em espiral que o narcotiza e o leva a esquecer de tudo, faz dele um cativo de seu próprio ego roubando sua personalidade e levando a uma doce demência que o faz só lembrar da amada.

O mais céptico dos humanos, olhando para aquele manuscrito e agraciado pela beleza do sentimento puro que enriquece aquele chumaço de papel amarrotado, por certo verterá lágrimas doridas ao sentir a desolação do amor que expressa tão verdadeiras palavras que mais se assemelham a um assopro angelical. 

De onde ressurgem palavras significativas de um afeto tão profundo no momento da dor crucial que dilacera e deixa cair na masmorra da solidão o dom mais belo da vida de dois jovens amantes, extirpa suas esperanças e mata suas ilusões ? Nada as faz representar senão a sutileza d'alma, e não havia de ser diferente, é o âmago que se esvai da criatura que sente a grande perda do amor.

Ali naquele rascunho, escrito em sangue de dor e saudades, fica guardado o amor de um poeta que o faz imortal e a intensidade de sua mensagem perpetuada para deleite de todos.

Autor 
Adalberto Thiago da Silva


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