O meu amigo é um fotógrafo famoso. Pediu que eu ficasse um pouco, até que ele escolhesse uma das fotos das modelos para um calendário. Olhei as fotografias, começando pelas descartadas, e parei numa que me encantou. — Escolho essa, – eu disse sem que me perguntasse. Ele riu. — É a nossa faxineira, - disse. – Estava só fazendo experiências com uns jogos de luz e a usei como cobaia. Você pode entender de poesia, amigo, mas não de foto e de beleza, - brincou. — Você pode entender de jogo de luz, e de foto, mas eu conheço o que é belo, até pelo cheiro, - eu disse. — Que há de belo nessa foto? – ele perguntou. — Na foto não sei. Mas a mulher é a mais bonita de todas... Ele pegou novamente a foto, aproximou dos olhos, afastou, chegou perto da luz, e dessa vez não riu, porque percebeu que eu falava sério. Olhou-me mais uma vez, e voltou os olhos para a foto sem graça, porque me conhece, e sabe que não brinco com o que é sério. Já havíamos conversado sobre a beleza, e ele sabe que não brinco com ela. Desligou os refletores, empurrou as outras fotos, e chegou mais perto da que indiquei, depois afastou-se sempre contemplando com interesse. Nisso a faxineira apareceu na porta, e perguntou se poderia ir embora, já que terminara o serviço. Ele disse que esperasse um minutinho, que precisava falar com ela sobre um outro trabalho que tinha. Ela olhou-me de relance, e saiu. — A sua beldade é essa aí, – ele disse meio zombando. — E afirma a minha posição. É mais bela que na foto. — Eu te conheço, e sei que é um belo poeta... E justamente porque é louco varrido, é que é poeta dos bons. Eu gosto muito do que faz, embora não tenha tempo de ler os teus devaneios, e acho que deveria se ocupar de coisa mais útil e rentável... Diga agora, o que é que há de bonito nessa mulher?!... — Tudo, - eu respondi. — Por exemplo?... — Tudo. Amigo, não seja cego. Ela é mais bonita que todas as outras que você fotografou, e ainda pagou por isso. Você ignora a moça, justamente porque a sua beleza está escondida do padrão... Parece um poema bem feito. A beleza dela é dupla. Digamos que uma evidência e um mistério ao mesmo tempo. A evidência é obvia demais para falar dela. Mas o mistério, só pode ser percebido por quem tenha um pouco de sensibilidade, e creio que você tem, e é por isso que é o profissional que é. Ele olhou novamente a foto. Demorou-se um pouco mais nisso. — O quê mais? – ele perguntou. — Amigo, a verdadeira beleza não pode ser descrita em palavras. Ela quando contemplada, faz com que o espírito se eleve de tal maneira que tudo o mais fica feio, se comparado. Essa mulher não pode ser comparada com ninguém que eu conheça. A beleza amigo, é o que vem da alma. A alma é que modela o coração. O coração é que modela o corpo. O corpo é que modela as vestes, os sapatos, as jóias, e tudo o mais que existe... Começa com a alma... — Quanto à alma, você tem toda a razão, mas... Ele levantou mais uma vez a foto, impressionado com o que eu dizia. Vi um gesto muito tênue de aprovação em seu rosto. Quando eu ia sair, pediu que dissesse para a moça que ele estava chamando-a. Passei por perto dela, e dei o recado. E antes de sair, brinquei com as palavras do ladrão da cruz: — "Lembra-te de mim quando entrares no teu reino". — Quê?... — Você vai ser promovida!... Ela arregalou os olhos. Eu tinha fama de profeta. Deve ter pensado que eu brincava que iria morrer. Pouco mais de uma semana depois, a vi na capa da primeira revista. Um mês depois, já eram muitas as capas. Depois a vi na televisão... Um dia eu estava sem dinheiro, e fui ver se o meu amigo tinha algum pra me emprestar, e a encontrei saindo do escritório dele, e entrando em um carro caro. Não me reconheceu, ou fez que não. Eu tinha certeza que era ela. Parecia-se um pouco com a mulher que eu conhecera na foto, mas não era mais bonita como aquela, embora todos em todos os lugares no mundo dissessem o contrário. O meu amigo recebeu-me com entusiasmo. — Viu a nossa rainha saindo?!... Lembra quando a descobrimos?... Balancei a cabeça que sim. — Um espetáculo, não? E pensar que eu estava com esse tesouro aqui perto, e não sabia... Não está linda!... – disse olhando a enorme foto da modelo na parede. Eu ri sem graça. Se insistisse, eu teria dito que a moça estava com uma pequena distorção na alma. Mas ele mudou de assunto: — Cara, estava tentando encontrar você!... Queria que olhasse umas fotos que eu tenho. Estou precisando encontrar uma mulher bonita, e sei que você tem muita sensibilidade para isso... Olhei as fotos que me entregou, e não encontrei nenhuma que me agradasse. Ele insistia mostrando mais e mais. Meu coração foi ficando cada vez mais triste, e tive que me despedir sem mesmo encontrar uma que sobressaísse. E até me esqueci do dinheiro que fui tomar emprestado... ® Adelmario Sampaio
Postado por Zé Carlos às 20.12.08
Postado por Zé Carlos às 20.12.08
Nenhum comentário:
Postar um comentário